
Eu não tenho a mínima dúvida, à semelhança do último referendo sobre a mesma temática, o “não” vai ganhar, o que me entristece deveras. Num país retrógrado e aliterado, alienado por uma mentalidade católica-provinciana não vejo outro desfecho que não seja a vitória do não.
Mas o que realmente mais me entristece é o tipo de discussão pública que, tanto da outra vez como agora, decorrem. O melhor exemplo foi o programa prós e contras transmitido pela RTP1 ontem. Em vez de se promover uma discussão serena com argumentos e contra-argumentos lógicos, assiste-se a um extremar de posições que não levam a lado nenhum e só servem para ridicularizar ambas as partes (como por exemplo quando Zita Seabra sugeria que a possibilidade do conhecimento do sexo da criança antes das 10 semanas poderia levar a mulher a fazer o aborto em função do sexo…). Os gritos e a deturpação dos argumentos em nada ajudam a esta discussão e, principalmente, não ajudam uma opinião pública precisada de informação verdadeira e coerente para poder decidir em conformidade…
As posições extremam-se em dois argumentos:
Pró-não: O embrião humano constitui uma vida humana que é preciso proteger.
Pró-sim: O aborto é um acto pessoal e cabe a cada um decidir por si.
No entanto algo ficou claro para mim, os devotos do não, se fossem coerentes, deveriam estar também a lutar para que a actual lei fosse mudada…
A actual lei permite a realização do aborto, por exemplo no caso de violação ou, para mim muito surpreendentemente, no caso de o feto possuir defeitos genéticos (por exemplo trissomia XXI, vulgo, mongolismo). Ou seja, mesmo para aquele que se dizem defender a vida e a dignidade da vida humana a lei deveria ser mudada, a não ser que o valor e a dignidade do embrião varie conforme as circunstâncias, e aí,... aí temos um paradoxo dos grandes. No entanto dos defensores do “não” não se oube uma palavra a este respeito, o que para mim constitui uma grande admiração.
Para mim, a questão do aborto antes de ser uma questão ética é uma questão social. Contrariamente à mensagem de que muitos andam a tentar passar, a despenalização do aborto não obriga ninguém a fazer o mesmo, mas dá a possibilidade de o fazer sem que se seja criminalizado por isso. A questão fundamental que se coloca é a seguinte: Uma dessas mulheres ou homens que votam pelo “não” mas têm poder de compra têm sempre a possibilidade de mudar de ideias e fazer o aborto em Espanha ou numa clínica da especialidade em Portugal. Fá-lo porque pode, porque tem dinheiro para isso, porque o dinheiros lhes compra a liberdade para o fazer. Ora, o que eu desejo é que essa mesma liberdade se possa estender a todos, ou seja, quando uma mulher decidir abortar que tenha as mesmas condições seja ela rica ou pobre, e não que umas possam ser despenalizadas por terem uma conta de bnco choruda e outras serem presas por possuirem poder monetário. Acho que o factor monetário não deveria ser considerado como factor de criminilização.
No entanto devo dizer que não concordo inteiramente com a pergunta que se vai fazer no referendo. A pergunta que surgirá é a seguinte:
«Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»
Na minha opinião deveria ser modificada para a seguinte forma:
«Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher devidamente informada, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»
Acontece que tal como a pergunta é colocada desresponsabiliza completamente o estado, ou seja, a mulher se quiser abortar poderá fazê-lo por sua exclusiva vontade e querer.
No entanto, já que os defensores do “não” tanto apregoam que existem tantas e imensas alternativas, acho que a mulher deveria, primeiro ter acompanhamento psicológico na tomada da decisão e, segundo, conhecimento das várias alternativas existente. Por estas razões a pequena variação na pergunta. Além do mais acho que a despenalização do aborto deveria ser acompanhada por uma verdadeira campanha de informação sexual, especialmente junto aos adolescentes e consequente desmistificação da questão sexual.
Eu vou votar sim, mas vou triste, pois acho que quem de devido direito leva este assunto sem a seriedade devida...