pensamentos correntes, pensamentos pendentes

quinta-feira, agosto 25, 2005

|

Ser ou ter o Ser - Parte II

Hoje tenho vontade de ouvir coisas mais antigas, medievais mesmo, por isso coloquei na aparelhagem o album dos “ Dead can Dance”, AION. Este album tem mais uma particularidade que me toca pessoalmente. Na capa tem um pormenor do “Jardim das Delícias”, um quadro de um dos meus pintores preferidos, Hieronymos Bosch, quanto a mim o primeiro pintor verdadeiramente surrealista. Mas voltemos ao que nos trouxe aqui hoje. O que somos nós afinal? Foi a questão que ficou de pé num das últimas entradas...

É claro, que a definição do que é ser não é fácil. Penso que todos temos essa dificuldade. Ao que me parece, cada um trata de resolver esta questão o melhor que pode com os meios que possui. O que é o ser afinal? É claro que já houve um monte de gente a tentar resolver esta questão, entre os quais podemos referir Heidegger e ao que parece com algum sucesso. Mas não vamos por aí, vamos tentar ir pelo nosso pé para ver se conseguimos chegar a alguma conclusão.

Para já, e para começar a complicar as coisas, começaria por dividir a noção de ser; Acho que se pode definir o ser de várias perspectivas, por exemplo, quem sou eu visto da minha própria perspectiva e quem sou eu visto da perspectiva de outrem. Mesmo esta divisão pode continuar a dividir-se quase indefinidamente, pessoas diferentes certamente terão diferentes perspectivas do meu ser, pois passaram momentos diferentes comigo, viram-me em situações diferentes, e mesmo eu, posso-me ver de maneiras diferentes de dia para dia.

Mas afinal o que é o ser? Será o ser uma qualidade intrisecamente minha?

Após reflectir um pouco comecei a verificar que o ser começa a ser uma qualidade que não parte de mim mas que vem do outro, mesmo que este outro seja eu a tentar observar-me a mim próprio (esta é estranha, quase esquisofrénica, mas se nos queremos conhecer-nos melhor acho que o melhor é distanciarmo-nos um pouco de nós próprios).

Vamos começar pelo ser visto pelo o outro. Acho que esta é mais ou menos fácil. Pelo outro eu posso ser simpático, alto, casmurro, carinhoso, culto, desajeitado, posso vestir bem, pode partilhar os meus gostos literários e cinematográficos e tudo isto faz constitui um ser para um certo outro. É claro que para outra pessoa que me ache baixo e gordo com um gosto musical duvidoso e que não partilhe os meus ideais políticos certamente que não serei o mesmo que o visto pelo o outro que descrevi anteriormente. Aliás, eu se quiser posso tentar manipular a noção que o outro possa ter de mim, mentindo em relação aos meus gostos musicais e por aí fora. Assim sendo, acho que posso concluir que eu sou para o outro dependendo da maneira que ele me vê.

No entanto, quando pensamos na questão de ser vista por nós próprios deveríamos encontrar alguma constância, certo? Claro que não, todos nós sabemos isso. No entanto quanto mais nos conhecemos mais perto estamos dessa constância, mas será que a atingiremos alguma vez? É por estas e por outras que goso daquela máxima do Sócrates: Connhece-te a ti mesmo antes de todas as coisas. Por vezes penso, que quanto nos conhecemos melhor, melhor poderemos conhecer aquilo que nos rodeia. Mas isto são devaneios meus...

Também podemos pensar que o conhcer-me a mim mesmo passa simplesmente passar pela minha maneira de ser, do género, como reagiria se me roubassem a carteira à minha frente, ou se uma mulher bonita que passa na rua me beijasse? Neste caso estríamos a resumir o ser ao cérebro, que é o que comanda as nossas reacções. Avançando um pouco mais, acho que o ser vai um pouco mais longe que isso. Se calhar uma mulher bonita nunca me beijaria se eu não fosse minimamente atraente. Sim, o ser é constituido por uma dinâmica entre cérebro, corpo e aquilo que nos rodeia, por aquilo que nos acontece. Acho que isto é muito fácil de demonstrar. Todos nós sabemos mais ou menos o que somos, no entanto proponho que se faça o exercício de se imaginar que nós estávamos em Hiroxima quando a bomba explodiu e tivessemos a oportunidade de viver o horror de ver pessoas a serem dizimadas em instantes e depois ter de encarar pessoas mutiladas durante os anos que se seguiram. Não acham que a vossa maneira de ser, ou seja, o vosso ser se modificaria? Eu acho que sim, claro que se modificaria, seríamos certamente pessoas diferentes, seríamos seres diferentes.

É por isto que acho que a imutabilidade do ser uma ideia ridícula. Nós somos o cérebro que nos comanda, que encerra algumas das nossas características, características essas que podem ser moduladas pelo o nosso corpo, corpo esse que nos permite interagir com o meio que nos envolve. Tudo isso constroi o nosso ser, nós somos isso tudo.

Voltando à questão inicial. Somos mais que o nosso corpo, somos um ente individual modulado pelo meio.

segunda-feira, agosto 22, 2005

|

A minha terra está a arder...

quarta-feira, agosto 17, 2005

|

Ser ou ter o Ser...

Retorno à bossa nova, meto o Quarteto Jobim-Morelenbaum na aparelhagem. Às vezes pergunto-me se haverá coisa mais relaxante que a bossa nova. Bendita foi a hora em que o Jobim nasceu...

Neste ambiente proponho-me a reflectir um pouco sobre esta questão fiosófica: somos o nosso corpo ou temos o nosso corpo?

Antes de mais acho que se deveria esclarecer o que é uma questão filosófica. Os entendidos devem poder fazê-lo, eu só vou lá por intuição, mas sei que, por exemplo, que horas são? Não é uma questão filosófica. O que é o tempo soa-me mais a uma questão filosófica. Pelo o que a minha intuição me diz, uma questão filosófica é aquele tipo de questão que pode abanar os alicerces. Normalmente também são chamadas de perguntas estúpidas, mas quero crer que se trata de uma reacção repentina e de circunstância. Ninguém quer ter de passar o dia a pensar no que é o tempo, há tantas coisas mais agradáveis para pensar, como por exemplo, como estará amanhã a temperatura da água no Algarve? Mas prossigamos. Então afinal, temos o nosso corpo ou somos o nosso corpo?

Como sempre podemos ver esta questão de vários pontos de vista, por exemplo, como quereríamos que fosse e como é na realidade. É claro que outra questão filosófica se levanta já, o que é a realidade, mas esta fica para a próxima. Voltemos então à nossa questão da posse do corpo.

À partida deveremos de tirar algumas conclusões, que irão por certo nos ajudar na conclusão final.

Se somos o nosso corpo o nosso ser está em nós, caso contrário o nosso ser está fora de nós. A resposta mais comum e bem mais aceite é o conceito de alma. Nós somos a nossa alma que habita o nosso corpo. É claro que para os aderentes desta ideia a pergunta já está respondida. Se somos a nossa alma é porque possuímos o nosso corpo. A ideia da alma trás consigo uma série de outras vantagens. Por exemplo, também se diz que a alma é imortal e é o que resta após a morte, depois o seu destino varia consoante as crenças, uns acreditam que esta passa a eternidade ou sofrer num inferno bem aquecido ou no paraíso ao lado do criador. Outros ainda acreditam que a alma volta a “habitar” outros corpos, este conceito é comumente conhecido como reencarnação.

Eu confesso, sou adepto da outra posição, somos o nosso corpo. Primeiro porque não acredito na alma nem na transcendência, não vejo razão para que assim seja (outra pergunta filosófica: o que é a razão?). Não é pelo facto de uma ideia ser mais vantajosa que esta se torna verdadeira. Por mais tentador que seja, temos de ter a coragem de escapar a este facilitismo ideológico. A minha relutância em aceitar o transcendente, deus e essas coisas já expliquei em posts anteriores, não vale a pena bater na mesma tecla. No entanto esta posição levanta uma outra questão, se somos o nosso corpo somos o quê precisamente? Somos as mãos, somos as pernas, somos o cérebro? O que somos nós afinal?

terça-feira, agosto 16, 2005

|



Agora à minha querida Bastet


Para reponder ao comentário da Bastet tive de o fazer em forma de post devido ao tamanho.
Relembrando o seu comentário.

«Como se chega à imagem da perfeição através da imperfeição, sem qualquer modelo do que é perfeito? Por extrapolação "a contrario"? A evolução pode não representar "progresso" mas tão somente uma adaptação ao meio sem outro fim que o da própria adaptabilidade e sobrevivência mas essa é só a adaptação física das espécies ao meio ambiente e a evolução espiritual? O crescimento evolutivo do homem não aspirará à perfeição? E o que é perfeito? Deus. Darwin era crente creio nomeadamente que crente na reencarnação. Um beijo.»

Primeiro a ideia da inexistência da perfeição. Há uma maneira de demonstração matemática chamada redução ao absurdo. Por exemplo se alguém dissesse: “todos os números são pares” e eu achasse um que seja impar, por redução ao absurdo se existe um número impar quer dizer quem nem todos os números são pares. A ideia da inexistência da perfeição vem pelo mesmo caminho. Mas existe outro facto ainda, a de que cada cabeça sua sentença. Será que se consegue arranjar algo que seja perfeito para todos os homens, basicamente é aplicar o imperativo categórico de Kant à ideia de perfeição. Daqui surge o conceito de perfeição relativa, cada um tem o seu conceito de perfeição, mas não existe uma perfeição absoluta. Daqui surge um conceito que já há muito ando a matutar, o da relatividade sistemática, que mais tarde explorarei.

Além do mais falas de uma evoluão espiritual, engraçado. Mas já pensaste que uma crença religiosa pode ser uma adaptação para que consigamos viver melhor com o mundo que nos rodeia. No entano o ser-se Humano tem essa vantagem espantosa que é o de questionar. É claro que podes dizer, se vivemos melhor com a crença porque não a aceitamos? A resposta é simples, porque o Homem não se contenta só com isso, quando começa a perguntar porquê e a querer razões para as coisas tudo se começa a complicar. Com isto quero dizer que a criação pelo o Homem de uma espiritualidade que o ajude a conviver com os factos que o transcedem não quer obrigatoriamente dizer que essa espiratualidade exista na realidade. Um exemplo flagrante é o antropocentrismo que ainda hoje se vive e por isso se acreditava que o Homem morava no centro do mundo, afinal não é bem assim.

A tua outra questão também é muito interessante: “O crescimento evolutivo do homem não aspirará à perfeição?” A esta respondo simplesmente, o crescimento evolutivo do Homem aspirará à compreensão.

Por fim, a questão de Darwing ser crente não muda nada, aliás só valoriza o próprio Darwin. Como deves saber o pai dele era pastor, agora imagina o que foi para ele ter de lançar a teoria da evolução das espécias pertencendo a uma família intrinsecamente crente e numa sociedade muito conservadora. Por exemplo Heidegger, um grande filósofo do sec. XX, era nazi, mas não implica que as suas ideias fossem erradas pelo simples facto de ser nazi, pois ele chegou a elas por um raciocínio lógico. É preciso saber separar as águas e separar as pessoas das ideias...

Beijocas grandes e volta sempre...
Econtramo-nos pela blogosfera agora que voltei de férias...