pensamentos correntes, pensamentos pendentes

quarta-feira, maio 18, 2005

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Pago os meus impostos, separo
o lixo, já não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correcto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros

Já não me lembro se o médico
me disse ser esta receita a indicada
para salvar o mundo ou apenas
ser feliz. Seja como for,
não estou a ver resultado nenhum

Deus é a nossa
mulher-a-dias
que nos dá prendas
que deitamos for a
como a vida
porque achamos
que não presta

Deus é a nossa
mulher-a-dias
que nos dá prendas
que deitamos for a
como a fé
porque achamos
que é pirosa

poema "Queixas de um utente" José Miguel Silva
poema "Deus é a nossa mulher-a-dias" Adília Lopes
música João Aguardela / Luis Varatojo / Marta Mateus



terça-feira, maio 17, 2005

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Alegorias Urbanas

Histórias pseudo-verdadeiras baseadas em factos verídicos.

História III – O par ideal...

Faziam quase o que se chama o par ideal.

Eram os dois bonitos e com carreiras promissoras.

Tinha sido ele que lhe tinha tirado a virgindade numas férias em que decidiram fazer campismo para experimentar uma coisa nova. Ela tinha 24 anos na altura, ele era um pouco mais velho.

Quando as coisas começaram a mudar namoravam há volta de seis anos. Tudo corria bem. Ela pertencia a uma família socialmente destacada. Ele era o precisamente o que ela precisava para mostrar aos outros. Estava a tirar uma pós-graduação em História de Arte. Era, por conseguinte, muito culto, como convinha. Além do mais tinha um palmo de cara, era muito bonitinho, tinha um ar muito lavadinho.

Numa altura da sua pós-graduação ele foi para Roma para ter acesso a uns manuscritos que não podiam sair da biblioteca local. Em Roma conheceu uma romana. Linda de morrer, também ela de História de Arte. Muito fogosa na cama, há muito que tinha perdido a virgindade. Ele rendeu-se completamente, rendeu-se ao seu peito farto, rendeu-se aos seus pestanudos olhos de um castanho envolvente. Adorava beijar aqueles lábios carnudos, adorava sentir o calor que ela emanava quando estavam os dois na cama, adorava a língua que ela falava.

Quando voltou a Portugal ela viu logo que alguma coisa de errado se passava, mas fez de conta de que não se passava nada. No entanto, tudo isto foi demais para ele, não aguentava a consciência a martelar insistentemente. Não podia continuar assim. Um dia contou-lhe o que se tinha passado em Roma. Ela rompeu num pranto interminável mas no final lá foi dizendo que ela aguentava, o que ela não aguentava era viver sem ele. Ele abanou a cabeça e disse que não, que não podiam continuar...

Uma semana mais tarde ela telefonou-lhe, convidou-o a ir jantar a casa dela, para conversarem. Ele foi. O jantar foi uma apetitosa carne no forno acompanhada por um tinto do Dão. Por altura da sobremesa ele sucumbiu. Ela beijou-o. Ele deixou. Passado somente uns instantes o plano que ela traçara estava em acção. Dirigiam-se ao quarto. Ele estava de novo conquistado. Foram para a cama. Ele sabia que aquilo não estava certo, mas o álcool que lhe corria nas veias toldava-lhe a vontade. Quando teve a primeira ejaculação já estava arrependido. Virou-se para o lado com o olhar fixo no nada. Ela chamava-o pelo nome, perguntando-lhe o que se passava. Ele nada respondia. Momentos depois, sem dizer palavra, levantou-se, vestiu-se e saiu de casa. Nunca mais o tornou a ver.

Um dia destes encontrei-a na rua. Perguntei-lhe se estava tudo bem. Ela disse que sim, que agora estava bem, mas que estava farta da pressão, da pressão da família, dos amigos, de toda a gente. Qual pressão? – perguntei eu – Querem que eu me case, já vou no meio dos trinta e eles querem que eu me case. Fazem questão de estar sempre a perguntar: Então? Como é? Quando nos dás um neto para brincarmos com ele no jardim? Mas sinceramente eu neste momento estou sozinha, mas estou bem, estou verdadeiramente bem. Sentia sinceridade e verdade na sua voz. Estava bem assim. Pronto. Para quê mais complicações?

segunda-feira, maio 09, 2005

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Histórias pseudo-verdadeiras baseadas em factos verídicos.

História II – Homos Animalis

Estavam sentados a almoçar num desses tascos da cidade.

Era um grupo de homens. Entre eles verificava-se facilmente que havia um grupo de homens mais novos, diga-se pelos 40, e um outro mais velho, por volta dos 60. Falavam alto e, na maior parte das vezes, ao mesmo tempo, produzindo ruído bastante para tornar aquele lugar pouco agradável.

Um dos homens mais velhos disse: “Eh pá ontem aconteceu-me uma coisa que nunca me tinha acontecido, então não é que me pus em cima do meu cachalote (nome pelo qual tratava a mulher) e quando estava a montá-la adormeceu. Tive de lhe dar duas chapadas para acordar, mas depois daquilo perdi a vontade, que porra esta, vocês já viram isto?”

Um dos mais novos com ar de riso: “O quê? O Ti Manel ainda pica?” Todos se riram...

“Se calhar já lá estava à muito tempo e ela adormeceu...” Mais uma onda de riso.

O Ti Manel com ar de desafiador respondeu: “Vocês pensam que as nossas mulheres são como as vossas que andam folgadas e que vão ter com vocês. E depois aquilo são cinco minutos e já está...” Os companheiros da sua faixa etária concordaram.

Um outro homem do grupo dos mais novos questionou: “O quê? Cinco minutos e já está? Olhe, ainda ontem tive meia hora a martelar na minha...”

O Ti Manel ficou pasmado a olha para o homem: “Meia hora? Meia hora para quê? Isso até enjoa. Mas você é paneleiro ou quê?”

O fosso de gerações era por demais evidente, pena as mulheres daqueles homens mais velhos não terem a oportunidade de poderem estar com homens e não com animais...

domingo, maio 01, 2005

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PAUL AUSTER
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"Reinvento-me em cada romance que escrevo"

Quando for grande também quero ser assim...