pensamentos correntes, pensamentos pendentes

quarta-feira, abril 27, 2005

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Alegorias Urbanas

Histórias pseudo-verdadeiras baseadas em factos verídicos.

História I – O príncipe encantado...

Ela representa tudo o que nós queremos ser.

Está em plena progressão na carreira, ganha já perto de 4000 euros por mês. Trabalha de manhã à noite é claro, mas faz aquilo que gosta. Vai pelo menos três vezes por semana ao melhor cabeleireiro da cidade, que é a maior cidade do país. Claro que aproveita o tempo do cabeleireiro para arranjar as unhas. Veste as últimas tendências das marcas mais conceituadas. Tem carro próprio, não é propriamente um topo de gama, mas é um citadino novo que melhor se adapta à sua vida na cidade. Paga perto de 150 euros por mês por um livre-trânsito que lhe dá acesso ao melhor ginásio da cidade que tem sauna e massagem. Mas não põe lá os pés porque não tem tempo. Tem casa própria completamente mobilada. Dois andares abaixo daquele onde vivem os pais. Tem muito bom gosto por sinal. Tem a mobília toda em tons de faia, o que dá à casa um tom leve e agradável. Tem no quarto uma cama de casal que lhe lembra todas as noites que falta algo na sua vida. É claro que lhe falta um homem.

Cresceu a sonhar com um casamento como aqueles que as princesas têm e por isso mesmo quer o seu príncipe, o seu príncipe encantado.

Já há algum tempo atrás andou com um rapaz. Companheiro de profissão, claro, ser-lhe-ia muito complicado que não fosse. Conhece poucas pessoas fora do seu círculo profissional. E aquelas que conhece quase que as despreza.. Ao princípio foi muito agradável, mas aos poucos começou a ver que aquele não era verdadeiramente o seu príncipe, o seu procurado príncipe encantado. Ele era cheio de manias. Hipocondríaco. Controlava-a constantemente. Não partilhavas os seus gostos cinematográficos, aliás nem ia ao cinema. Dava-lhe nojo sentar-se naquelas cadeiras onde centenas de pessoas já o tinham feito. Ela aguentou tudo aquilo durante algum tempo, mas depois achou insuportável. Acabou com ele.

Isto já foi há algum tempo atrás. Por esta altura ele anda de novo no seu rasto. Como poderia ser de outra maneira, partilham o gabinete onde trabalham todos os dias. Ela sabe que ele não é o príncipe encantado, nem coisa que se lhe aproxime, mas a visão diária daquela cama vazia parece-lhe a projecção da sua vida. Aquele vazio começa-a a preocupar. Começa a desesperar. O desespero é o pior dos conselheiros, normalmente faz-nos ir pelo pior caminho e é pelo pior caminho que ela está preste e ir.

Ele diz-lhe que ainda a ama, ela sabe que não gosta dele, sabe que ele não gosta de cinema e sabe ainda que passa metade do tempo de cama com doenças que supostamente tem. Ela sabe tudo isto, mas está prestes a ceder. Ela sabe que está prestes a tornar-se o alvo daquele comentário ouvido tantas vezes: “Como é possível, uma mulher destas, que tinha tudo para ser feliz estar com este miserável...”

Ela sabe isto tudo, mas tem horror àquele vazio na cama e aquilo que representa. Está farta de estar sozinha. Vai ceder. Já não sonha com o príncipe encantado sonha? Aliás, já não sonha. Prepara-se só para o que lá vem...


photo by christian coigny

quarta-feira, abril 13, 2005

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Não me encham os ouvidos com puritanisses se nós só existimos devido à prostituição molécular do carbono.
Em breve: Scientia...


quinta-feira, abril 07, 2005

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Eu acho que já falei sobre máscaras, mas não tenho a certeza e também não estou com pachorra para ir ver. E como lá dizia o nosso Hegel, a história é como uma linha que rodeia um cilindro e desta forma, de tempos a tempos, torna-se a repetir. Pois se assim é, aqui vai...

Começamos por colocar a máscara de manhã e tiramo-la à noite. É um hábito que se cria, muitas vezes imposto, mas que se vai tornando natural com o tempo. Andamos de máscara e começamos a nem dar por ela. Sem darmos por isso, a máscara começa a possuir-nos e nós tornamo-nos sinónimos da máscara que usamos. Até que um dia alguém nos diz: Tira a máscara. E nós rimo-nos, rimos a valer e por fim, quando nos conseguimos recompor, perguntamos: Qual máscara? Este sou Eu. Do outro lado sabem que assim não é, sabem que estamos a usar máscara porque conseguem vê-la, ao contrário de nós que estamos completamente tomados por ela.

E assim continuamos. Fazemos finca pé que aquela máscara somos nós. Este sou Eu, não é nenhuma máscara, gritamos já em desespero. Por fim acabam por desistir, convencem-se, tal como nós, que a somos a máscara. A máscara toma conta de nós por fim. E assim ficamos, perdidos...




Photo by dholbster 2005