
Hoje tenho vontade de ouvir coisas mais antigas, medievais mesmo, por isso coloquei na aparelhagem o album dos “ Dead can Dance”, AION. Este album tem mais uma particularidade que me toca pessoalmente. Na capa tem um pormenor do “Jardim das Delícias”, um quadro de um dos meus pintores preferidos, Hieronymos Bosch, quanto a mim o primeiro pintor verdadeiramente surrealista. Mas voltemos ao que nos trouxe aqui hoje. O que somos nós afinal? Foi a questão que ficou de pé num das últimas entradas...
É claro, que a definição do que é ser não é fácil. Penso que todos temos essa dificuldade. Ao que me parece, cada um trata de resolver esta questão o melhor que pode com os meios que possui. O que é o ser afinal? É claro que já houve um monte de gente a tentar resolver esta questão, entre os quais podemos referir Heidegger e ao que parece com algum sucesso. Mas não vamos por aí, vamos tentar ir pelo nosso pé para ver se conseguimos chegar a alguma conclusão.
Para já, e para começar a complicar as coisas, começaria por dividir a noção de ser; Acho que se pode definir o ser de várias perspectivas, por exemplo, quem sou eu visto da minha própria perspectiva e quem sou eu visto da perspectiva de outrem. Mesmo esta divisão pode continuar a dividir-se quase indefinidamente, pessoas diferentes certamente terão diferentes perspectivas do meu ser, pois passaram momentos diferentes comigo, viram-me em situações diferentes, e mesmo eu, posso-me ver de maneiras diferentes de dia para dia.
Mas afinal o que é o ser? Será o ser uma qualidade intrisecamente minha?
Após reflectir um pouco comecei a verificar que o ser começa a ser uma qualidade que não parte de mim mas que vem do outro, mesmo que este outro seja eu a tentar observar-me a mim próprio (esta é estranha, quase esquisofrénica, mas se nos queremos conhecer-nos melhor acho que o melhor é distanciarmo-nos um pouco de nós próprios).
Vamos começar pelo ser visto pelo o outro. Acho que esta é mais ou menos fácil. Pelo outro eu posso ser simpático, alto, casmurro, carinhoso, culto, desajeitado, posso vestir bem, pode partilhar os meus gostos literários e cinematográficos e tudo isto faz constitui um ser para um certo outro. É claro que para outra pessoa que me ache baixo e gordo com um gosto musical duvidoso e que não partilhe os meus ideais políticos certamente que não serei o mesmo que o visto pelo o outro que descrevi anteriormente. Aliás, eu se quiser posso tentar manipular a noção que o outro possa ter de mim, mentindo em relação aos meus gostos musicais e por aí fora. Assim sendo, acho que posso concluir que eu sou para o outro dependendo da maneira que ele me vê.
No entanto, quando pensamos na questão de ser vista por nós próprios deveríamos encontrar alguma constância, certo? Claro que não, todos nós sabemos isso. No entanto quanto mais nos conhecemos mais perto estamos dessa constância, mas será que a atingiremos alguma vez? É por estas e por outras que goso daquela máxima do Sócrates: Connhece-te a ti mesmo antes de todas as coisas. Por vezes penso, que quanto nos conhecemos melhor, melhor poderemos conhecer aquilo que nos rodeia. Mas isto são devaneios meus...
Também podemos pensar que o conhcer-me a mim mesmo passa simplesmente passar pela minha maneira de ser, do género, como reagiria se me roubassem a carteira à minha frente, ou se uma mulher bonita que passa na rua me beijasse? Neste caso estríamos a resumir o ser ao cérebro, que é o que comanda as nossas reacções. Avançando um pouco mais, acho que o ser vai um pouco mais longe que isso. Se calhar uma mulher bonita nunca me beijaria se eu não fosse minimamente atraente. Sim, o ser é constituido por uma dinâmica entre cérebro, corpo e aquilo que nos rodeia, por aquilo que nos acontece. Acho que isto é muito fácil de demonstrar. Todos nós sabemos mais ou menos o que somos, no entanto proponho que se faça o exercício de se imaginar que nós estávamos em Hiroxima quando a bomba explodiu e tivessemos a oportunidade de viver o horror de ver pessoas a serem dizimadas em instantes e depois ter de encarar pessoas mutiladas durante os anos que se seguiram. Não acham que a vossa maneira de ser, ou seja, o vosso ser se modificaria? Eu acho que sim, claro que se modificaria, seríamos certamente pessoas diferentes, seríamos seres diferentes.
É por isto que acho que a imutabilidade do ser uma ideia ridícula. Nós somos o cérebro que nos comanda, que encerra algumas das nossas características, características essas que podem ser moduladas pelo o nosso corpo, corpo esse que nos permite interagir com o meio que nos envolve. Tudo isso constroi o nosso ser, nós somos isso tudo.
Voltando à questão inicial. Somos mais que o nosso corpo, somos um ente individual modulado pelo meio.