O Ponto Negro e o Pensamento (II)
Voltei. Após um interregno de uma semana (na qual abandonei a Lusa terra) voltei para continuar esta mini-série de reflexões acerca da relação existente entre o ponto negro e o pensamento.
O processo do desenrolar do pensamento está intimamente associado ao processo de expulsar o ponto negro. Senão vejamos a seguinte sequência de acontecimentos que decorre em cada uma destas actividades.
Comecemos pelo ponto negro.
O ponto negro aparece sem que demos por ele. A certa altura, ao passar com a mão no local onde se encontra o ponto negro, notamos que existe ali uma qualquer protuberância. Como é óbvio vamos logo a correr ao espelho mais próximo para o analisar mais de perto, tirar-lhe as medidas, fazer uma primeira avaliação. Começa-se a delinear uma estratégia. Como farei? Farei com uma só mão? Deixarei passar mais algum tempo para ele encher um pouco mais e assim ter um maior prazer? Espremerei com as duas mãos. Com as unhas? Deverei crescer um pouco mais as unhas para poder espremer com mais força? E depois o factor de maior importância. O acto de espremer o ponto negro é sempre feita é sempre solitário. Ou seja, é preciso afastar-se das outras pessoas para se poder espremer convenientemente. É precisa calma, serenidade, silêncio. Por fim faz-se uma última análise dos pós e contras. Será que a dor que se vai sentir compensará o prazer que se terá. Geralmente por fim, esprememos.
Agora o pensamento.
Existem ideias (pensamentos) que estão lá e nem damos por elas. Outras vezes, as ideias não estão lá de uma forma completa, mas facilmente desabrocham naquela ideia. Perante o pensamento temos uma atitude muito mais passiva que em relação ao ponto negro. O pensamento não é algo que nos faça correr, amadurece mais lentamente. Enquanto nós atingimos o ponto negro, o pensamento atinge-nos a nós. Podemos demorar a reagir mas fá-lo-emos. Isso acontece, normalmente durante um momento de calma, serenidade, silêncio e solidão. O pensamento não é compatível com a interpelação de outrem, é um processo a priori solitário. Aí começa o processo de argumentação, lógica. A intuição perde terreno, quase desaparece. Entramos várias vezes por caminhos errados, perdemo-nos e voltamos ao ponto de partida, mas caminha-se lentamente. É preciso consolidar um passo para não cair no próximo. No princípio, preguiçosamente, passamos por cima de alguns passos, mas depressa nos damos conta que não vale a pena ser apressado. Gastamos tempo a chegar a uma conclusão e por fim respiramos fundo para passar à próxima etapa. Por fim chega o momento da conclusão final. Chegamos ao ponto correspondente ao de ter o ponto negro a escorrer pelo espelho abaixo. O prazer que se obtém de se chegar a uma conclusão limpa, livre de erros de lógica é um orgasmo. Sente-se o cérebro dormente, uma corrente eléctrica que percorrer todo o corpo, é fantástico. Mas orgasmo destes são raros, trabalhosos, e por vezes desiste-se antes de lá chegar. Por vezes temos ejaculação precoce, gritamos eureka para depois descobrir que caímos numa falácia. Mas o pensamento é assim mesmo. Uma ilusão. A tentativa de racionalização não existe para além dos nossos modelos intelectuais. Estou a navegar ao sabor do pensamento, é bom, é como o andar nas ondas do mar. É perder-me nas ruas de uma grande cidade. Olhar olhos nos olhos das putas que lá andam e percebê-la, sentir-lhes a dor. Estou anestesiado, quero fluir, estou embriagado. Não aguento mais. Vou parar. Uf....
Percebem do que estou a falar. O pensamento livre é perigoso. Mas quanto mais livre, mais prazer